LÉA DA CRUZ FAGUNDES
LÉA DA CRUZ FAGUNDES (1930 - )
A professora Léa da Cruz Fagundes é natural de Pelotas, RS, tendo nascido em 16 de março de 1930. No período de 1948 a 1983 trabalhou em Porto Alegre como professora estadual, tendo atuado, entre outras escolas, no Instituto de Educação General Flores da Cunha, escola modelo de formação de professores, onde cursou a especialização e exerceu as funções de Supervisão Escolar e Coordenadora Pedagógica do Ensino de Matemática. Iniciou no Laboratório de Matemática do Instituto de Educação as experiências e pesquisas e a prática de formação de professores em serviço na introdução aos currículos da chamada “Matemática Moderna”. Participou da criação, nesse Laboratório, de um grupo de estudos e pesquisas em Epistemologia Genética e fundamentos da revolucionária proposta da “Escola Ativa”. Durante o exercício profissional no magistério estadual do Rio Grande do Sul, atuou como professora em classes de pré-escola, alfabetização, 2ª, 4ª, 5ª e 6ª séries do que, hoje, corresponde ao Ensino Fundamental. Na década de 1970 atuou no Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), como Coordenadora do Ensino de Matemática. Entre 1968 e 1976, exerceu atividades como docente em cursos de aperfeiçoamento de Ensino, Formação de Professores para o ensino de Matemática, tendo ministrado as disciplinas “Métodos e Técnicas de Ensino de Matemática” e “Fundamentos Psicológicos da Aprendizagem Matemática”. Concomitantemente, entre 1965 e 1972, coordenou pesquisas no Instituto de Educação General Flores da Cunha, sobre Ensino de Matemática e Formação de Professores para o Ensino de Matemática, Ensino de Ciências para Crianças e Alfabetização, Métodos e Materiais Didáticos. Entre 1968 e 1972, com mais de 20 anos de experiência profissional, fez o Curso de Pedagogia. Realizou Estudos Especializados em Psicologia Cognitiva em 1973/1974, concluiu o Mestrado em Educação na UFRGS em 1977 e o Doutorado em Psicologia Escolar, na USP, em 1986. Em 1988, concluiu o Curso de Psicologia, na UFRGS.
A partir de 1973, organizou o Grupo de Estudos Cognitivos de Porto Alegre, mais tarde, Laboratório de Estudos Cognitivos (LEC), um centro de pesquisa que se ocupou, a partir de 1979, de investigar os processos cognitivos de crianças em situações de aprendizagem que fazem uso de interações com o computador, com referencial na teoria piagetiana. Desde seu início, o LEC “manteve uma característica interdisciplinar, integrando participantes de diferentes áreas do conhecimento, incluindo estudantes de diversos níveis acadêmicos e firmando parcerias com diversas instituições da sociedade” (FAGUNDES et al., 2019, p. 243). Nessa época, passa do questionamento específico sobre as tecnologias do ensino para a investigação sobre suas relações com o processo de aprendizagem. Em 1984, o LEC passou a ser centro-piloto de Informática Educativa, integrando o Projeto EDUCOM, cujo propósito era o de abordar Educação e Comunicação, criado pelo MEC, em ação coordenada com a Secretaria Especial de Informática do Ministério da Educação (SEI/MEC), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) e Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP/MCT) do Ministério de Ciência e Tecnologia.
Além do EDUCOM, o LEC/UFRGS, sob a coordenação da professora Léa, desenvolveu diversos outros projetos, tanto em parcerias com organismos nacionais, como a Secretaria de Educação a Distância do MEC, o BNDES e o governo federal, como internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA) e a Fundação Osmar Dengo, da Costa Rica.
Destacamos aqui a participação da professora Léa Fagundes na coordenação do Projeto Ensino de Ciências e Matemática – Integração no currículo de 1º Grau, vinculado ao Projeto Nacional para a Melhoria de Ensino de Ciências (PREMEN), nos anos de 1975 e 1976, desenvolvido na UFRGS. No projeto PREMEN, Léa Fagundes atuou também como docente e coordenadora da disciplina Currículos e Programas no Curso de Pessoal Técnico-Administrativo, em 1972, e como docente na disciplina Metodologia do Ensino da Matemática nos cursos de reciclagem, em 1973. De acordo com Nardi (2005), o PREMEN constituiu-se num importante projeto “no desenvolvimento do movimento curricular ocorrido entre os anos de 1950 e 1980 no Brasil” (p. 66), tendo sido instituído pelo Ministério da Educação, visando atender as novas exigências impostas pelas alterações curriculares a partir da promulgação da Lei 5692/71.
Entre as produções do Projeto PREMEN desenvolvido na UFRGS, apresentamos aqui dois livretos, identificados como Cadernos de Metodologia - Ciências, volume IIA e volume IIB, com edição do Ministério da Educação e Cultura. Os cadernos são elaborados pela equipe[1] coordenada pela professora Léa Fagundes.
O propósito do caderno que constitui o volume IIA (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/222632), conforme aponta o documento em sua introdução, é “oferecer, aos professores em exercício nas escolas de 1º grau, a colaboração de especialistas interessados na troca de experiências e na melhoria na qualidade de ensino” (1976, p. 3). Pretende, assim, uma elaboração conjunta, entre especialistas e professores, de experiências curriculares visando a integração do ensino de Ciências e de Matemática.
O documento apresenta características da Matemática consideradas relevantes para a integração no ensino de Ciências, em que destacamos o que os autores referem:
A natureza da matemática, segundo Bruter (1974), tem, de um lado, o valor pedagógico de habituar o raciocínio explicativo causal forçando o pensamento à observação, a percepção das propriedades profundas dos objetos, desenvolvendo a capacidade tanto de análise quanto de síntese. A matemática tem, de outro lado, um valor operatório. Ela nos possibilita um modelo qualitativo-quantitativo do ambiente. Pode-se dizer que a matemática possibilita construir modelos que ajudarão a elaborar sistemas explicativos nas ciências naturais (FAGUNDES et al., 1976a, p. 10).
Na sequência das considerações sobre a integração entre Ciências e Matemática, propõem que o ensino integrado organize-se levando em consideração a definição de objetivos comuns, o inter-relacionamento dos conteúdos e os procedimentos operatórios, sempre em função dos princípios que regem o desenvolvimento espontâneo da inteligência, fundamentados em Piaget. Assim, a integração “deverá ocorrer a nível de estruturas cognitivas. Os elementos de motivação também serão encontrados nos próprios esquemas de atividades operantes em cada situação, quando estas atividades corresponderem às necessidades do aluno” (FAGUNDES et al., 1976a, p. 14).
O Caderno discorre sobre um diagnóstico experimental, desenvolvido com dois grupos de alunos, em escolas públicas de Porto Alegre, um com crianças de 7 a 9 anos, e outro, de 13 a 15 anos. Foram aplicadas provas com vistas ao estudo do desenvolvimento das estruturas da inteligência, com base na Psicologia Genética de Jean Piaget. As provas consistiam em experimentos, realizados no laboratório de ciências da escola.
A partir dos 8 experimentos descritos, aplicados aos alunos, os autores concluem que:
Pôde-se constatar uma carência estrutural, à luz da psicologia cognitiva, no desenvolvimento do raciocínio lógico dos sujeitos de nossa amostra. Parece-nos, por isso, de extrema relevância, que sejam consideradas as condições atuais do aluno e todo o ensino seja reorganizado num modelo integrador, que favoreça um desenvolvimento do pensamento realmente integrado, através de interações e da cooperação (FAGUNDES et al., 1976a, p. 37).
O caderno apresenta sugestões de atividades aos professores das primeiras séries do Currículo por Atividade, elaboradas a partir dos experimentos antes referidos, que foram propostas aos professores para serem testadas em suas classes. O resultado da testagem levou os autores a redigirem orientações, conforme consta no documento, para que os professores pudessem utilizar o material com proveito. As orientações aos professores trataram dos objetivos do ensino integrado e dos conteúdos selecionados. No caderno em questão, o conceito escolhido foi o de medição, assunto em que “a escola tradicional obtinha os piores resultados, tanto em Matemática quanto em Ciências” (FAGUNDES et al., 1976a, p. 42).
Um segundo caderno, volume IIB, (FAGUNDES et al., 1976b) (https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/222633), apresenta sugestões de atividades aos professores do Currículo por Área, enfatizando o conceito de proporcionalidade nas áreas de Ciências e Matemática:
Procurando um modelo desencadeador do processo integrativo em nossa realidade escolar, foi escolhida como base a teoria psicogenética de Jean Piaget. Mas esta é uma tarefa ambiciosa. A obra de Piaget se constitui num manancial ainda inexplorado, à espera de uma verdadeira arquitetura pedagógica (FAGUNDES et al., 1976b, p. 1).
Assim como no primeiro caderno, o caderno IIB apresenta atividades a serem realizadas com os alunos, numa tentativa de traduzir operacionalmente os princípios teóricos piagetianos e, a partir de contribuições dos professores que as utilizaram e consequente reformulação, se constitua em “paradigma para futuras sequências de um currículo” (FAGUNDES et al., 1976b, p. 2).
Os cadernos aqui referidos constituem-se como documentos que conferem à professora Léa Fagundes a condição de expert, ao coordenar a equipe que os elaborou e que serviu como material de formação aos professores na proposição de um ensino integrado de Matemática e Ciências, conforme a Lei 5.692/71, que promoveu alterações em todo o sistema escolar. Com formação fundamentada em Piaget, a professora Léa orientou a equipe sob sua coordenação na elaboração de atividades que foram propostas aos professores, a partir dos experimentos realizados, e que integrou os cadernos aqui citados, que fizeram parte do projeto PREMEN. Esse projeto foi instituído num período em que as mudanças curriculares preconizavam o desenvolvimento de materiais didáticos para o ensino de Ciências e, como o caso do PREMEN, “foram organizados projetos que envolviam educadores e cientistas brasileiros na elaboração de livros didáticos para alunos, guias para professores e recursos audiovisuais apropriados ao ensino brasileiro” (LORENZ, 2008, p. 20). As atividades que integram os cadernos mostram a integração pretendida para o ensino de Ciências e Matemática, desenvolvidas por educadores como Léa Fagundes e sua equipe, na elaboração de material de orientação aos professores, dentro do projeto PREMEN, do Ministério da Educação, nos anos 1970.
Referências
FAGUNDES, Léa da Cruz; ARAGÓN, Rosane; BASSO, Marcus Vinicius de Azevedo; MARASCHIN, Cleci. Laboratório de Estudos Cognitivos: percursos de pesquisa, formação e criação. Informática na educação: teoria & prática, v. 22, n. 2, p.242-257, 2019. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/InfEducTeoriaPratica/article/view/94828. Acesso em: 20 jan. 2021.
FAGUNDES, Léa da Cruz; CHASSOT, Ático; TEIXEIRA, Cícero Marcos; GROSSI, Esther Pillar; AXT, Rolando. Projeto Ensino Integrado de Ciências e Matemática no 1º Grau. Caderno de Metodologia Ciências - volume IIA. MEC/PREMEN/UFRGS/DEF. 1976a. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/222632. Acesso em: 04 jan. 2021.
FAGUNDES, Léa da Cruz; CHASSOT, Ático; TEIXEIRA, Cícero Marcos; GROSSI, Esther Pillar; AXT, Rolando. Projeto Ensino Integrado de Ciências e Matemática no 1º Grau. Caderno de Metodologia Ciências - volume IIB. MEC/PREMEN/UFRGS/DEF. 1976b. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/222633. Acesso em: 04 jan. 2021.
LORENZ, Karl Michael. Ação de instituições estrangeiras e nacionais no desenvolvimento de materiais didáticos de ciências no Brasil: 1960-1980. Revista Educação em Questão, Natal, v. 31, n. 17, p. 7-23, jan./abr. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/3903/3170. Acesso em: 21 jan. 2021.
NARDI, Roberto. Memórias da Educação em Ciências no Brasil: A Pesquisa em Ensino de Física. Investigações em Ensino de Ciências, v. 10, n. 1, p. 63-101, 2005. Disponível em: https://www.if.ufrgs.br/cref/ojs/index.php/ienci/article/view/523/319. Acesso em: 25 jan. 2021.
Notas
[1] Integram a equipe os professores Attico Chassot, Cícero Marcos Teixeira, Esther Pillar Grossi, Rolando Axt, além da professora Léa da Cruz Fagundes, coordenadora. O documento registra também o nome dos integrantes da equipe de apoio: Anamaria Rangel Monteiro, Cibele da Cruz Fagundes e Gino Mazzilli.
Maria Cecilia Bueno Fischer
Marcus Vinicius de Azevedo Basso