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CONDE DE LINHARES

CONDE DE LINHARES

CONDE DE LINHARES (1755-1812)

 

Rodrigo Domingos Antônio de Sousa Coutinho nasceu em Chaves (Portugal), em 1755. De família aristocrática, cursou o Colégio dos Nobres e após o curso de Direito na Universidade de Coimbra, tendo concluído esse curso em 1778. Em 1779, entrou para a diplomacia, sendo nomeado ministro junto à corte de Sardenha, em Turim. Ao retornar a Portugal, assumiu a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Domínios Ultramarinos. Nesse cargo, criou o Corpo de engenheiros construtores, a Junta da Fazenda da Marinha e a Sociedade Real Marítima. Tornou-se conselheiro de D. João VI e com ele veio para o Brasil, como Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra. Recebeu, em 1808, o título de 1º Conde de Linhares. Ele faleceu no Brasil em 1812. (http://mapa.an.gov.br/index.php/publicacoes2/70-biografias/388-rodrigo-domingos-antonio-de-sousa-coutinho-conde-de-linhares, acesso em 15 set. 2021).

Como Ministro de Estado dos Negócios Estrangeiros e da Guerra, as suas realizações no Brasil incluem, entre outros, os seguintes feitos: a criação do Arquivo Real Militar, da Real Junta de Fazenda dos Arsenais do Exército, da Academia Real Militar, de fábricas e fundições, do Banco do Brasil e, ainda, a assinatura do tratado de Aliança e Comércio com a Inglaterra. Ao chegar ao Brasil, o Conde de Linhares não encontrou nenhum sistema de ensino organizado. Diante disso, decidiu empreender essa tarefa começando pela criação de uma instituição de ensino superior que formasse militares e engenheiros para atuarem a serviço do governo.

O tripé ideológico em que se apoiou Rodrigo Coutinho para criar uma Academia Militar no Rio de Janeiro era: a segurança dos domínios imperiais, o bem público e a formação intelectual de súditos para o reino (MEIRELLES, 2017). Assim, a segurança dos domínios imperiais tornava imprescindível a formação de homens capacitados para a arte da guerra; a realização de obras públicas demandava engenheiros, topógrafos e geógrafos, assim como as lideranças militares, intelectuais e políticas da então colônia de Portugal – o Brasil – exigia formação intelectual em nível superior.

Para entender melhor a proposta de criação de tal academia, é preciso ter presente que, a partir de 1800, as academias militares tanto na Europa quanto na América passaram a ser lugares específicos para a formação superior de oficiais, deixando de ser mero espaço de difusão de saberes rudimentares. (DUARTE, 2004) Embora tivesse sido denominada de Academia Militar, esse tipo de instituição estava mais direcionada para a formação de engenheiros, considerando-se a preponderância de cadeiras científicas e técnicas de engenharia em detrimento daquelas de formação do militar. Constitui-se, então, a Academia em um núcleo inicial de uma “verdadeira escola de engenharia”. (MEIRELLES, 2017, p. 298)

Além de criar a Academia Militar, Rodrigo Coutinho foi o responsável pela elaboração do seu regulamento. O curso visava ao estudo regular das ciências da observação, das aplicações destas aos estudos militares e práticos a fim de formar oficiais de artilharia, engenharia, oficiais da classe de engenheiros geógrafos e topógrafos para serem empregados nos trabalhos administrativos de minas, de caminhos, canais, pontes, fontes e calçadas.

A grande façanha do ministro ao criar tal curso não impediu que ela fosse alvo de críticas. Hipólito da Costa, jornalista do Correio Braziliense de Londres, crítico da política portuguesa e da atuação desse ministro de Dom João VI, manifestava-se contrário ao fato de ele ter elaborado tal projeto sozinho, o que demostrava, segundo ele, o absolutismo da atuação de Rodrigo Coutinho frente ao Ministério. Segundo o jornalista, a elaboração de tal documento deveria ter sido feita por especialistas da área - militares, engenheiros e professores - e não por um estadista.

Embora as críticas fossem pertinentes no que concerne à atuação absolutista do ministro, não procediam no que diz respeito à formação intelectual do ministro. O Colégio dos Nobres - instituição na qual Rodrigo Coutinho estudou – era destinada à formação da elite portuguesa. Criada em 1766 pelo Marquês de Pombal, obedeceu ao ideário de Ribeiro Sanches, sendo considerada um modelo para a futura faculdade de matemática na Universidade de Coimbra. Seus estatutos estabelecem a exigência do ensino de física geral e experimental e matemática, desde conhecimentos elementares até os transcendentes. (BEBIANO, 2006) Acrescentamos o nome de Luís António Verney, com a obra O Verdadeiro Método de Estudar de 1746, como outra influência teórica que fundamentou a ideologia orientadora da reforma geral dos estudos em Portugal por Pombal. (SILVA, 1999)

No Colégio dos Nobres, a grade curricular em ciências exatas previa as seguintes disciplinas: matemática, física experimental, arquitetura militar, arquitetura civil, astronomia, cavalaria, esgrima e dança. Por sua vez, a matemática se desdobrava em aritmética, geometria, trigonometria, álgebra, análise de infinitos, cálculo integral, mecânica, estática, hidrostática, hidráulica, ótica, náutica e geografia. (TEIXEIRA, 2012) Foram professores de matemática no colégio os matemáticos italianos Giovanni Brunelli (1722-1804), Miguel Franzini (?-1810), Miguel Ciera e para a física Dalla Bela (1730-1823). A reforma da Universidade de Coimbra, realizada pelo Marquês de Pombal, em 1772, incluía na formação do jurista um ano do curso matemático, assim Rodrigo Coutinho obteve, ao cursar essa faculdade, uma base da matemática, que incluía elementos de aritmética, geometria e trigonometria plana. (SILVA, 1994) Como ex-aluno do Colégio dos Nobres e da Universidade de Coimbra, onde inclusive, assistiu a aulas na Faculdade de Matemática, Rodrigo Coutinho trouxe ao Brasil a mesma concepção que orientou a criação dessa Faculdade e que por ele foi usada como modelo para a criação do curso matemático da Academia Militar do Rio de Janeiro, curso este que teria a duração de quatro anos e serviria para dar o embasamento teórico das ciências matemáticas.

O texto da carta de lei, que foi elaborada por Rodrigo Coutinho, detalha o funcionamento da Academia, incluindo a duração do curso, a criação de uma junta militar responsável por administrá-lo, condições para ingresso no curso, programa das matérias, autores a seguir, admissão de professores, regime das aulas, avaliação, prêmios aos docentes e discentes, etc. No primeiro ano, seriam ensinadas a aritmética e a álgebra - até as equações do terceiro e quarto grau - a geometria, a trigonometria retilínea e as primeiras noções de trigonometria esférica. Naturalmente, era um programa bem extenso e de difícil execução, se considerarmos que eram exigidos dos candidatos poucos pré-requisitos, como o conhecimento das quatro operações básicas de aritmética (Carta de lei: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-40009-4-dezembro-1810-571420-publicacaooriginal-94538-pe.html).

Os autores que deveriam ser seguidos, ou seja, os livros desses autores a serem usados, vinham explicitados, o que deixava o docente sem liberdade de escolha de um livro ou autor de sua preferência. Assim, o Conde de Linhares definia na carta de lei (Carta de lei: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-40009-4-dezembro-1810-571420-publicacaooriginal-94538-pe.html):

 

O lente[1]ensinará logo a Álgebra, cingindo-se – [...] quanto puder, ao método do célebre Euler [...] debaixo de cujos princípios e da Aritmética e Álgebra de Lacroix, formará o compendio para o seu curso, e depois explicará a excelente Geometria e Trigonometria Retilínea de Legendre [...] e não se esquecerá de extrair exemplos tirados da célebre obra de Delambre [...] (Carta de Lei, 1810).

 

Para o segundo ano, estava prevista a continuação da álgebra – visando ao conhecimento de métodos para a resolução de equações e às aplicações da geometria à álgebra (ou seja, a geometria analítica) e do cálculo diferencial e integral (CDI). Especificamente para o CDI, estava previsto o ensino de aplicações à física, astronomia e ao cálculo das probabilidades. Para essa cadeira, também havia a indicação de livro didático – Lacroix. Além dessa cadeira, estavam previstas duas aulas: desenho e geometria descritiva. Esta última ensinada segundo a obra de Monge. A expertise do Conde de Linhares fica bem evidenciada nesta proposta, pois, além dos autores já citados, ele conhecia o trabalho de Monge. Este matemático foi o criador da geometria descritiva poucos anos antes, quando era professor da Escola Politécnica de Paris, que foi fundada em 1794.

Cinco autores de livros didáticos foram indicados – Euler, Lacroix, Legendre, Monge e Delambre. No primeiro ano, os alunos estudavam desenho, logo após a conclusão da primeira cadeira de matemática. Muito provavelmente, em seu curso na Universidade de Coimbra, Rodrigo Coutinho tenha tomado conhecimento desses autores que afinal eram matemáticos e autores renomados e, portanto, pouca dúvida poderia ser lançada sobre a eficiência de tais textos e a competência do ministro em escolher bons livros para o ensino.

Para atuarem como docentes na Academia Real Militar ele procurou, principalmente, mestres estrangeiros, quase todos portugueses. Entretanto, no convento dos Carmelitas na Lapa viviam monges com boa formação acadêmica, como Frei Pedro de Santa Marianna, que obtivera formação superior em matemática em Portugal e que fez parte da primeira equipe de professores do curso matemático (LIMA, 1908). Ele ensinou Cálculo Diferencial e Integral por quase duas décadas na Academia Militar.

A proposta ousada e ambiciosa do ministro deixa margem a algumas críticas: ele sugeria mostrar as aplicações do CDI à mecânica, entretanto essa cadeira era do terceiro ano, assim como as aplicações à astronomia, cadeira do quarto ano, e à teoria de probabilidades, que sequer estava prevista no currículo. As demais disciplinas dedicadas à física, química, e às disciplinas militares estavam previstas nos três anos que se seguiam ao curso matemático, com a duração de quatro anos.

O Correio Braziliense atacava a política portuguesa e o alvo principal era o ministro Conde de Linhares. O jornal era proibido de circular em Portugal, mas no Rio de Janeiro ele era adquirido clandestinamente e, segundo Lima (1908), Dom João VI era o primeiro a ler. As ferozes críticas do jornalista estendiam-se, por exemplo, à extensão dos conteúdos da cadeira de matemática do primeiro ano:

 

Se qualquer dos nossos leitores, que for mediamente instruído nos princípios elementares da matemática, tiver a paciência de ler este título segundo, não precisará muita reflexão para conhecer a impossibilidade que há de que nenhum moço possa aprender em um ano letivo, composto de oito a nove meses [...] a imensidade de matéria que aqui se lhe prescrevem; e por consequência ou o professor se há de limitar a resumos muito sucintos, que apenas serão capazes de dar a seus discípulos ideias perfunctórias das ciências que se lhes ensinam, ou a multidão de matérias há de produzir nas cabeças dos infelizes alunos tal confusão de ideias que um dia virá a ser uma perfeita imitação de seu protótipo, o instituidor deste plano (COSTA, 1812, p. 489).

 

Seguem-se, no artigo, outras críticas pertinentes, entre elas os pré-requisitos para certos conteúdos que não foram considerados pelo autor, como já salientamos anteriormente. Apesar de algumas críticas de Costa serem procedentes, é preciso observar aspectos positivos do projeto, uma vez que o Conde de Linhares procurou valorizar os professores na organização do curso, dando-lhes privilégios e prêmios, conforme o título X da carta de Lei: “Os professores da Academia Real Militar, além do que já fica expresso a seu respeito, gozarão todos os privilégios [...] que tem e gozam os lentes da Universidade de Coimbra. Serão tidos, e havidos, como membros da Faculdade de Matemática [...]” (CARTA DE LEI, 1810).

Os alunos eram também considerados como alunos da Universidade de Coimbra. Além disso, havia um prêmio em dinheiro para aqueles professores que apresentassem um trabalho científico com alguma descoberta ou aplicação útil às ciências.

Num contraponto a Hipólito da Costa, é preciso salientar os principais acertos do Conde de Linhares ao recomendar autores como Euler, Legendre, Monge, Delambre e Lacroix. Os livros didáticos destes autores ditavam os programas, ou seja, os programas eram basicamente os conteúdos dos livros indicados. Antes de começarem as aulas, os futuros professores já começaram a traduzir os livros em língua estrangeira. Ocuparam-se desta tarefa os autores indicados para as primeiras cadeiras, que traduziram os primeiros livros didáticos, cujos autores foram recomendados na Carta de Lei pelo Conde de Linhares.

A primeira obra a ser editada, em 1809, foi Elementos de Geometria, de Legendre e, logo a seguir, o Tratado de Trigonometria, também de Legendre, ambos traduzidos por Manuel Ferreira de Araujo Guimarães (1777-1839); em 1810, o Tratado elementar d’Aritmética, de Lacroix, foi traduzido por Francisco Cordeiro da Silva Torres e Alvim (1775-1856). Em 1811, foi publicada a obra Elementos de Álgebra, escrita por Lacroix e traduzida por Francisco Cordeiro da Silva Torres e Alvim, e Elementos de álgebra, de Euler, a qual contou com provável tradução de Manoel Ferreira de Araujo Guimarães. Em 1812, o Tratado elementar de aplicação da Álgebra à Geometria, de Lacroix; Elementos de Geometria Descritiva com aplicações às artes texto extraído, por Lacroix, da obra de Monge Elementos de Geometria - foram traduzidos por José e Victorino dos Santos (?, 1852); o Tratado Elementar de Cálculo Diferencial e Integral, de Lacroix, parte 1 do Cálculo Diferencial, teve a tradução realizada por Francisco Cordeiro da Silva Torres.

Estes primeiros tradutores e professores da Academia Real Militar tiveram uma formação que os habilitava para o ensino superior à época: Francisco Cordeiro da Silva Torres e Alvim estudou na Academia de Guardas da Marinha em Lisboa e veio, em 1808, para o Brasil; sobre José Victorino dos Santos pouco se sabe além de que foi docente de Geometria Descritiva da Academia Militar e que pertenceu ao Real Corpo de Engenheiros do Rio de Janeiro (SARAIVA, 2014); Manuel Ferreira de Araújo Guimarães era brasileiro e estudou na Academia Real da Marinha de 1798 a 1801. Retornou ao Brasil em 1805 e em 1811 já era docente da Academia Militar; além de docente, foi além disso editor, jornalista, político e militar.

O projeto idealizado pelo Conde de Linhares, com sua expertise, foi colocado em prática e assim surgiu o ensino de matemática superior e a formação de engenheiros no Brasil.

 

Referências

 

BEBIANO, Natália. A faculdade de Matemática e os estudos matemáticos na reforma pombalina. In: Ciência e experiência: formação de médicos, boticários, naturalistas e matemáticos: homenagem a Rômulo de Carvalho (1906-2006), 2006. Disponível em https://digitalis.uc.pt/pt-pt/livro/faculdade_de_matem%C3%A1tica_e_os_estudos_matem%C3%A1ticos_na_reforma_pombalina

CARTA DE LEI de 14 de dezembro de 1810, 1810. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/carlei/anterioresa1824/cartadelei-40009-4-dezembro-1810-571420-publicacaooriginal-94538-pe.html

COSTA, Hipólito. Brasil, Correio Brasiliense, Londres, ed. 8, p. 489, 1812. Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=700142&pesq=%22Conde%20de%20Linhares%22&pasta=ano%20181&pagfis=5426

DUARTE, Elaine Cristina Ferreira. Da Real Academia à escola militar: a profissionalização das armas e a consolidação do ensino militar no Brasil (1810-1855). Dissertação de Mestrado. UERJ, 2004.

LIMA, Oliveira. Dom João VI no Brasil: 1808-1821. Primeiro volume. Rio de Janeiro: Tipografia do Jornal do Comércio, 1908.

MEIRELLES, Juliana. Política e cultura no governo de Dom João VI: imprensa, teatros, academias e bibliotecas (1792-1821) [https://books.scielo.org/id/bxsqj]. São Bernardo do Campo, SP: Editora UFABC, 2017. 417 páginas.

SARAIVA, Luis. A Tradução de Manuais de Matemática nos inícios da Academia Real Militar do Rio de Janeiro, Anais do 6º Encontro Luso-Brasileiro de História da Matemática, SBHMat, Natal, 2014, pp. 93-137.

SILVA, Circe M. S. A primeira faculdade de matemática. Perspicillum, v. 8, n. 1, p. 85-105, 1994.

SILVA, Circe M. S. A matemática positivista e sua difusão no Brasil. Vitória: EDUFES, 1999.

TEIXEIRA, José de Monterroso, José da Costa Silva (1747-1819) e a recepção do neoclassicismo em Portugal: a clivagem de discurso e a prática arquitetônica. Tese de doutoramento em História. Universidade Autônoma de Lisboa, 2012.

 

Nota

 

[1] Lente era a denominação utilizada para o professor.

 

Circe Mary Silva da Silva

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