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MARIA DO CARMO SANTOS DOMITE

MARIA DO CARMO SANTOS DOMITE

 

MARIA DO CARMO SANTOS DOMITE (1948-2015), professora paulistana, nasceu em 13 de abril de 1948 no bairro Vila Mariana, na cidade de São Paulo, SP. No ano de 1969 concluiu de forma conjunta o Bacharelado e a Licenciatura em Matemática no Instituto Sedes Sapientiae. Sua atuação profissional como professora de Matemática teve início quando cursou o último ano da Licenciatura. Entretanto, antes mesmo de iniciar o referido curso, já ministrava aulas particulares a filhos de amigos da família. Em 1971, Maria do Carmo Domite iniciou o mestrado em Matemática pela Universidade de São Paulo (USP), mas trancou a matrícula para compor o quadro do magistério como professora de Matemática do Ginásio Estadual Nossa Senhora das Mercês (GENSM) e da Escola Estadual 1º e 2º Grau "Rui Bloem" (E.E.P.S.G – RB). Mais tarde, no ano de 1975, retomou os estudos, desta vez já voltados à Educação Matemática. Em seu Memorial Acadêmico, Maria do Carmo Domite relata que, nesse período, participou de cursos ministrados pelo professor Zoltan Paul Dienes e começou a estudar as obras de Jean Piaget, Jerome Bruner e Dienes. Intercalando sua vida profissional entre atuação no magistério e formação acadêmica, Maria do Carmo Domite assumiu, no ano de 1976, o cargo de orientadora da área de Matemática dos anos iniciais da Escola "Vera Cruz" e, em 1981, ingressou no mestrado em Educação Matemática na Universidade da Georgia (UGA), nos Estados Unidos da América (USA), dando início à sua trajetória de formação internacional. Foi nesse momento que teve seu primeiro contato com “resolução de problemas”, área que se dedicou durante a década de 1980. Segundo Maria do Carmo Domite, “a Resolução de Problemas do início dos anos oitenta era aquela que, de um lado, reclamava pela autonomia do aluno frente à solução de um problema e, de outro, por uma atitude do professor frente ao desenvolvimento do potencial heurístico dos alunos e alunas” (DOMITE, 2001, p. 07). Com o retorno ao Brasil no final do mestrado, Maria do Carmo traz materiais específicos sobre resolução de problemas que, ao que parece, ainda não eram de conhecimento de professores e pesquisadores brasileiros, segundo narra Dulce Satiko Onaga[1] à Silva (2006). Nesse retorno, ela passa a ministrar cursos a professores e pesquisadores sobre resolução de problemas cujas fontes eram traduções de materiais americanos por ela traduzidos. O objetivo desses cursos era motivar os envolvidos no aprofundamento do tema.

Resultado desse trabalho levou o Centro de Educação Matemática (CEM), grupo em que atuou Maria do Carmo nos anos de 1984 a 1997 na grande São Paulo e que prestava assessoria e consultoria especializada em Educação Matemática às escolas, Diretorias de Ensino, Secretarias de Educação e instituições especializadas, a dar início ao projeto “Resolução de Problemas: Educação Matemática para os anos 90”[2], financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Ainda na década de 1980, após o término do seu mestrado em Educação Matemática, Maria do Carmo Domite iniciou sua atuação na Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (SMESP) ao ser convidada para realizar trabalho com a formação de professores voltado a aprendizagem e ensino de Matemática para a educação pré-escolar da Rede Municipal de São Paulo. Nesse tempo em que passou a atuar com a formação de professores, ela relata em seu Memorial Acadêmico que esteve ao lado dos professores Rômulo Lins, Maria Amábile Mansutti, Dulce Satiko Onaga, Maria Lydia de Mello Negreiros, Antônio José Lopes Bigode e Marcelo Lellys, grupo que, de acordo com Silva (2006), também integrou o CEM.

No ano de 1986, Maria do Carmo Domite foi convidada pelos professores Anita Rondon Berardinelli e Márcio Imenes para compor a equipe de editores, área Educação Matemática, da Revista de Ensino de Ciências da Fundação Brasileira de Ensino de Ciências (FUNBEC). Essa Fundação, de acordo com Bertero (1979), tinha a finalidade de inovar o ensino de ciências. Para isso, os pesquisadores envolvidos produziam textos que podiam ser traduções e/ou apropriações de artigos usados no ensino norte-americano, ou produções inéditas dos próprios pesquisadores. Bertero afirma, ainda, que os treinamentos oferecidos pela FUNBEC tinham, dentre outros objetivos, “a) o preparo do professor para o processo de mudança, sendo ele o mais importante agente do processo; b) atualização dos conhecimentos profissionais do professor, incluindo conhecimentos específicos da matéria; [...]” (BERTERO, 1979, p. 64).

Ainda como integrante da equipe de editores da FUNBEC, Maria do Carmo Domite foi convidada, juntamente com o professor Márcio Imenes, no ano de 1987, a formar uma equipe para a elaboração do “Curso Matemática por Correspondência" (1989), ofertado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). A proposta teve como prioridade evidenciar a Matemática como uma produção social, tomando como fio condutor a resolução de problemas e a História da Matemática. Essa formação de professores ocorreu, como cita o título, por correspondência, incluindo a comunicação entre elaboradores do curso e cursistas. De acordo com Maria do Carmo Domite, “a elaboração dos textos, assim como o contato via correspondência com os professores, foi preciosa, de muito entusiasmo e, naturalmente, encaminhou mudanças de comportamento frente à formação de professores” (DOMITE, 2001, p. 11). O "Curso de Matemática por Correspondência" teve fim em 1989.

Ainda no ano de 1989, Maria do Carmo Domite passou a integrar a equipe de assessores da SMESP em um contexto marcado pelo Movimento de Reorientação Curricular, projeto desenvolvido por Paulo Freire, então secretário de Educação Municipal. Segundo Franco (2014), essa redemocratização do ensino tinha por objetivo promover autonomia ao sistema educacional, alterando as relações entre gestores e professores, e no próprio espaço escolar.

Empenhava-se em fazer uma escola democrática, estimulando a curiosidade crítica dos educandos de forma que não apelasse para memorização mecânica dos conteúdos transferidos, mas em que o ensinar e aprender fossem partes inseparáveis de um mesmo processo, o de conhecer (FREIRE, 1994, p. 140 apud FRANCO, 2014, p. 106).

Ao que parece, essa “escola democrática” não estava limitada a sala de aula. De acordo com Franco (2014), uma gestão democrática, na qual o diálogo deveria imperar, era o objetivo de Paulo Freire e era essa a estratégia adotada por ele no trabalho com sua equipe, bem como com todos os envolvidos com a Educação.

Paulo Freire passou a discutir com sua equipe de trabalho e com as universidades a proposta da política de educação que pretendia implementar na cidade. Para tanto, percorreu escolas em todo o município, falou com vários funcionários, professores, gestores, agentes escolares, supervisores escolares, assim como com estudantes e familiares (FRANCO, 2014, p. 107).

Desejando atingir os ideais estabelecidos, em um momento pós regime militar[3], parece que Paulo Freire buscava superar a forma rígida e autoritária que, segundo Franco (2014), modelava o sistema educacional por uma outra baseada no diálogo e na discussão de ideias. De acordo com Saul (2011), para a concretização do que almejava, Paulo Freire convocou professores para formar sua equipe de trabalho distribuindo-os em diferentes funções com distintas atribuições em prol de um mesmo objetivo: redemocratizar o ensino. “Esses grupos tiveram como lócus principal a própria escola e o programa foi complementado com outras modalidades de formação: palestras, cursos, congressos e atividades culturais, em diferentes espaços” (SAUL, 2011, p. 10). Maria do Carmo Domite foi convidada a compor a equipe que trabalharia com a área de Matemática. Nessa empreitada, passou a integrar os Núcleos de Ação Educativa (NAE), acompanhando e orientando professores das escolas que aderissem ao Movimento de Reorientação Curricular de Freire. Desse posto, Maria do Carmo Domite passou a visitar escolas e a observar aulas de Matemática visando orientar professores sobre como deveria ser desenvolvido o trabalho a partir de um Tema Gerador, proposta advinda do Movimento de Reorientação Curricular. As principais propostas do período delimitado entre os anos de 1989 e 1992 foram reunidas em um livro denominado "Ousadia no diálogo", que teve participação de Maria do Carmo Domite na elaboração assinando um dos capítulos. Nesse mesmo período, Maria do Carmo Domite participou, também, da elaboração do “Projeto de Reorientação Curricular pela via da Interdisciplinaridade” (1992). Um dos resultados desse trabalho é o documento "Movimento de Reorientação Curricular – Matemática, relatos da prática 4/8"[4] assinado por Maria do Carmo Domite, coordenadora da área de Matemática. Trata-se de um caderno de relatos que resgata práticas de educadores que vinham empreendendo a reorientação curricular através de suas ações cotidianas em sala de aula (SÃO PAULO, 1992. Na contracapa desse documento uma nota destaca que "longe de ser um documento final, é um 'meio do caminho', em que vivências 'antigas' e 'novas', 'medos' e 'ousadias' estão presentes a todo momento" (p. 1) e que, com o documento, a intenção não era de "elaborar um 'caderno de receitas', ou divulgar 'aulas modelo' nas várias áreas do conhecimento, mas divulgar experiências, dentre as muitas que existem na Rede, que auxiliem os educadores a refletir, pesquisar e criar seus próprios caminhos a partir do que outros já percorreram" (SÃO PAULO, 1992, p. 1). Os relatos de experiência eram narrados pelos professores e analisados pela equipe técnica. Esse conjunto de dados configura o documento como um orientador da prática docente em acordo com a Reorientação Curricular. O documento aponta o diálogo, “a interlocução ativa e criativa entre aluno-aluno, professor-aluno” (p. 98), como eixo central da proposta e solicitava do professor “relação dialógica”, “reflexão crítica dos conteúdos” e “tentativas de vínculo entre a realidade e a sala de aula”.

Foi também no período de 1989 a 1992 que Maria do Carmo Domite realizou o seu doutoramento em Psicologia da Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) defendendo sua tese no ano de 1993. De pós-graduanda da UNICAMP à docente da mesma instituição ela criou no ano de 1996, juntamente com o professor Dario Fiorentini, o Grupo de Pesquisa Prática Pedagógica em Matemática. Ainda em 1996 coordenou o Grupo de Pesquisa Etnomatemática e Educação Ambiental ao lado do professor João Frederico Meyer. No final do ano de 1997, Maria do Carmo Domite passou a integrar o quadro de professores da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP). Lá, passou a coordenar, ao lado do professor Ubiratan D’Ambrosio, o Grupo de Ensino e Pesquisa em Etnomatemática. Essa aproximação com a Etnomatemática produziu uma virada nas pesquisas de Maria do Carmo Domite, área que passou a se dedicar até os últimos dias de sua vida e possibilitou reconhecimento em dupla via, reconhecimento internacional de Maria do Carmo Domite como pesquisadora e fortalecimento da Etnomatemática como campo de pesquisa no Brasil e no mundo. A preocupação de Maria do Carmo Domite com o aprendizado matemático em diferentes contextos e comunidades permitiu, ainda, o seu envolvimento com a formação de professores indígenas, se tornando pioneira nesse cenário. Os primeiros livros que se tornaram referência nessa temática foram organizados por Maria do Carmo Domite em parceria com outros professores da FEUSP.

No ano de 2020 Maria do Carmo Domite recebeu, em memória, o “Prêmio USP – Trajetória pela Inovação”. Nesse prêmio foi destacada a singularidade da professora Maria do Carmo Domite por meio de seu compromisso afetivo, social, cultural e político com populações que sofrem exclusão, característica marcante de Domite. Na sua busca de transformar a sociedade por meio da educação, Maria do Carmo Domite atuou em diferentes vertentes ao longo da sua trajetória de vida como ser humano e como profissional. Foi professora da educação infantil, atuou como coordenadora pedagógica, atuou na formação inicial e continuada de professores, foi palestrante, leitora crítica de obras oficiais, deixando contribuição significativa para formação de professores que ensinam matemática. Atuou, ainda, em órgãos internos à SMESP, como no Departamento de Planejamento, Orientação e Controle (DEPLAN) e na Diretoria de Orientação Técnica (DOT) prestando serviços de assessoria para a produção de materiais voltados à formação de professores que ensinavam matemática. Também teve participação significativa no desenvolvimento da Educação Matemática como campo de pesquisa e, em particular, da Etnomatemática. A trajetória da professora Maria do Carmo Domite foi interrompida no dia 06 de junho de 2015, aos 67 anos, vítima de câncer.

 

Referências

 

BERTERO, Carlos Osmar. Aspectos organizacionais da inovação educacional: o caso da Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências (FUNBEC). RAE – Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v.19, n. 4, p. 57-71, 1979.

Disponível em: < http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/rae/article/view/39695/38431 >. Acesso em: 02 maio 2018.

DOMITE, Maria do Carmo Santos; FORNER, Régis. Um encontro entre Paulo Freire e a educação matemática: Maria do Carmo Domite instigada por Régis Forner. Revista Internacional de Educación para la Justicia Social, v. 3, p. 157-172, 2015.

Disponível em: < https://revistas.uam.es/riejs/article/view/361>. Acesso em: 21 set. 2020.

FRANCO, Dalva de Souza. A gestão de Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo (1989 – 1991) e suas consequências. Pro-Posições, v. 25, n. 3, p. 103-121, 2014.

Disponível em: < https://www.scielo.br/pdf/pp/v25n3/v25n3a06.pdf >. Acesso em: 21 set. 2020.

SAUL, Ana Maria. A construção da escola pública, popular e democrática, na gestão Paulo Freire, no município de São Paulo. In: TOMMASIELLO, et al. (Org.). Didática e práticas de ensino na realidade escolar contemporânea: constatações, análises e proposições. 1. ed. Araraquara: Junqueira&Marin, 2012. v. 1, p. 394-406.

Disponível em: <acervo.paulofreire.org:8080/jspui/bitstream/7891/4344/2/FPF_PTPF_01_0957.pdf> Acesso em: 21 set. 2020.

SILVA, Heloísa da. Centro de educação matemática (CEM): fragmentos de identidade. 2006. 448 p. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 2006. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/102135>. Acesso em: 13 jul. 2020.

Fontes consultadas

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais. Programa de Educação Continuada. Curso de Matemática por Correspondência, 1988.

DOMITE, Maria do Carmo Santos. O desafio da Educação Matemática: da pluralidade aos focos de interesse. 2005. Tese (Concurso de Livre-Docência) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005.

DOMITE, Maria do Carmo Santos. Memorial Acadêmico. São Paulo: FEUSP, 2001.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação. Movimento de Reorientação Curricular – Matemática, relatos da prática 4/8. São Paulo, 1992.

USP. Formulário de indicação de docente ao prêmio USP - trajetória pela inovação. 2019.

Disponível em: http:<//www.inovacao.usp.br/wp-content/uploads/sites/300/2019/09/FE-1.pdf> Acessado em:15 mar. 2021.

 

Notas

 

[1] Professora de Matemática que fez parte do CEM coordenando projetos e que atuou, também, como autora de livros didáticos.

[2] A professora Dulce Satiko Onaga narra à Silva (2006, p. 38) que “esse projeto procurou desenvolver investigações a respeito de diversos aspectos relacionados à resolução de problemas. Produzimos materiais a partir destas investigações e que foram organizadas em módulos. O objetivo era proporcionar subsídios para que professores pudessem desenvolver novos projetos e investigações a partir de suas experiências e práticas profissionais”.

[3] Saber mais em FRANCO (2014).

[4] O acesso ao documento se deu a partir de sua solicitação à Memória Documental da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo. O código do documento para consulta é P3.1/12e. Para mais informações sobre essa entidade acessar: https://educacao.sme.prefeitura.sp.gov.br/centro-de-multimeios/memoria-documental/.

 

Antônio Robert Chagas Conceição

Rosilda dos Santos Morais

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